domingo, 23 de outubro de 2011

Descartes: O Homem que assentou as bases da Modernidade.


O período do final do século XVI e início do século XVII, que vê refletir de forma mais densa as transformações proporcionadas pelas descobertas, seja nas doutrinas religiosas, filosóficas ou científicas, será um período movido por um pessimismo teórico, denominado ceticismo. Mas o que é isso o ceticismo? E qual a razão da sua origem?
O ceticismo é uma corrente de pensamento que nasce no momento em que a mentalidade do homem europeu se depara com uma série de acontecimentos que colocava em dúvida todo o pensamento até então construído, todo pensamento até então alicerçado sobre a égide do catolicismo.
A época é marcada por uma revolução de acontecimentos; as navegações levam o homem europeu a conhecer outras civilizações e outras maneiras de conhecimentos, de outros modos de vida, de religiosidade. As descobertas na física, os experimentos e concepções de Galileu, de Copérnico; tudo isso leva a uma tendência de dúvida quanto a teologia, quanto as explicações calcadas na bíblia e no pensamento aristotélico; estas explicações, que por sua vez, já não tinha validade frente a realidade, frente a tudo que se apresentava ao homem da época se rompe e abre espaço para o surgimento de um pensamento de incerteza, de incapacidade do homem de conhecer verdadeiramente o mundo, Deus e a si mesmo.
Mas toda a crise, busca, ou abre espaço para respostas, profundas e paradigmáticas, que surgem, sobretudo, do seio de um grupo de mentes pensantes ou de uma mente pensante que consegue, em algumas obras, explanar a realidade vigente, seus problemas, bem como, sugerir respostas para tais problemas . 
Com isso, em 1596 nasce René Descartes, o homem que buscaria dar respostas para os diversos problemas de sua época.  Oriundo de uma família de burgueses da França, Descartes, aos 10 anos começa os estudos, vai estudar em um Colégio Jesuíta, cujo ensino é arquitetado nas obras de Aristóteles. Assim sendo, Descartes recebeu uma educação do seu tempo, ou seja, presa as amarras de padrões filosóficos que já não mais se sustentava frente à realidade. Notar-se-á, todavia, que como um exímio buscador do “conhecimento claro e seguro”, nutriu-se das letras, absorveu o conhecimento passado pelos jesuítas e constatou a deficiência desses conhecimentos. Assim se expressa o filósofo na seguinte citação:
Fui nutrido nas letras desde a infância, e por me haver persuadido de que, por meio delas, se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida, sentia extraordinário desejo de apreendê-las. Mas logo que terminei todo esse curso de estudos, ao cabo do qual se costuma ser recebido na classe dos doutos, mudei inteiramente de opinião. (Descartes, 1973a; p. 38).

O que constatara Descartes é que os vastos ramos, filosofia, medicina, jurisprudência, matemática, teologia, já não mais assumia o seu papel na vida, não era mais racionalmente satisfatórios; já estava tão distante da realidade que justificava a posição dos céticos. Eram frutos de constantes dúvidas e não assumiram um caráter de universalidade e de aplicabilidade. Não eram utilizada para se fazer ciência:           
Comprazia-me, sobretudo com as Matemáticas, por causa da certeza e da evidencia de suas razões; mas não notava ainda seu verdadeiro emprego, e, pensando que serviam apenas às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos tão firmes e tão sólidos, não se tivesse edificado sobre eles nada de mais elevado... Da filosofia nada direi, senão que, vendo que foi cultivada pelos mais excelsos espíritos que vieram desde muitos séculos e que, no entanto, nela não se encontra ainda uma só coisa sobre a qual não se dispute, e por conseguinte não seja duvidosa ... Julgava que nada de sólido se podia construir sobre fundamentos tão poucos firmes. (Descartes, 1973a; p. 40).

Teriam os mesmos céticos razões? Seria somente possível conhecer, seja o homem, o mundo e Deus, somente pela luz da teologia, presa a fé, dogmas e as escrituras? Não haveria a possibilidade de uma nova razão para demonstrar as questões que historicamente foram colocadas em extrema dúvida: o homem (a alma), Deus e o mundo? Assim se expressa Descartes na carta destinada aos Senhores Deao e Doutos da Sagrada Faculdade de Teologia de Paris:

Sempre estimei que estas duas questões, de Deus e da alma, eram as principais entre as que devem ser demonstradas mais pelas razões da filosofia que da teologia: pois, embora nos seja suficiente, a nós outros que somos fieis, acreditar pela fé que há um Deus e que a alma humana não morre com o corpo, certamente não parece possível poder jamais persuadir os infiéis de religião alguma, nem quase mesmo de qualquer moral, se primeiramente não se lhes provarem essas duas coisas pela razão natural”. (Descartes, 1973c; p. 38).

Com isso Descartes propõe a busca de uma nova maneira de explicar as causas primeiras: o mundo, o homem e Deus, “pela luz natural”;  a verdade teológica, a que provém de Deus, das escrituras e que encontra apoio nas interpretações feitas dos escritos aristotélicos, perdera a validade frente a realidade, cabia ao homem buscar a verdade, a clareza e a exatidão pelas razões da filosofia:
A filosofia, diz-nos Descartes, é o estudo da Sabedoria, isto é, um ‘perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta da sua vida como para a conservação da saúde e a invenção de todas as artes’; mas, a fim de que este conhecimento seja tal, acrescenta, ‘é necessário que seja deduzido das causas primeiras’(carta do autor a quem traduziu o livro dos princípios). (Gaston Granger, 1973; p. 13) 1.

A proposta cartesiana parece ser muito clara, construir a base para extinguir a dúvida, a incerteza e possibilitar ao homem conhecedor da realidade utilizar-se da ciência para atingir a felicidade.
A ambição do filosofo é, portanto, universal; seu alvo é construir uma doutrina que baste à prática da vida terrestre e, como ele o afirma em muitas passagens, que nos permita atingir a felicidade. (Gaston Granger, 1973; p. 13).

Como já vimos, a proposta de Descartes consiste em encontrar uma certeza que seja clara, imediata, universal, que possibilite alcançar um consenso; o meio para se chegar a essa verdade não seria mais a teologia, mais sim a razão natural, a filosofia, a metafísica, a fim de solapar as posições céticas e o pensamento que já não mais correspondia a realidade, e com isso, abrir espaço a nova ciência que começava a surgir.
                              

Referências

ABBAGNANO, N. História da Filosofia Vol. VI. São Paulo: Editora Presença.
BRÉHIER, E. Historia da Filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou.
DESCARTES, R. Carta. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973c.
______________. Discurso do Método. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973a.
______________. Meditações. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973b.

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